segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O Advogado que Calculava: Empresas de Telecom, Análise Econômica do Dano Moral e o empobrecimento lícito


O enriquecimento ilícito nunca deve ser parâmetro para a diminuição do valor de condenação por dano moral.
Por quê? É que, quando isto ocorre, o Poder Judiciário está tutelando a externalidade de quem provocou o dano moral.

Externalidade, em seu conceito econômico, é um fato social consistente em uma ação que afeta o bem-estar social de outro indivíduo, sem que este seja devidamente ressarcido pelos custos que sofre.¹

Atualmente, isto é bem claro atualmente nos péssimos serviços de atendimento ao consumidor das empresas de telefonia, as quais figuram no ranking de mais suscitadas nos PROCONs dos Estados.

Nesse caso, e grosso modo, a externalidade consiste no lucro ou vantagem auferida pela empresa de telefonia às custas do mau serviço prestado ao consumidor (custo social).

E isto é de pronto calculável pelo instrumento econômico do Valor Monetário Esperado. Este instrumento serve para, dada uma probabilidade e um resultado, subsidiar uma escolha mais vantajosa, representada pela fórmula:

VME = p1.R1 + p2.R2 + p3.R3

Sendo p1 a probabilidade de se alcançar determinado resultado (R1).

Segundo esta fórmula, é melhor escolher a possibilidade de ganhar R$ 200,00 numa probabilidade de 1/2 do que ganhar R$ 500,00 numa probabilidade de 1/6.

Vejamos um exemplo:

Uma empresa Telecom presta serviços de atendimento ao consumidor de forma insatisfatória. Para melhorar e sanar as principais demandas judiciais que possui por deficiência no atendimento, deveria gastar mais R$ 300.000,00 por mês, de forma a contratar mais operadores de atendimento e capacitá-los.

Porém, o setor jurídico da Telecom descobriu que há, em média, 50 demandas por mês, com uma probabilidade de condenação de 30%, no valor médio de R$ 10.000,00.

Calculando a perda em ambas as escolhas, temos:

Se optar por não investir em melhoria do serviço, mas em deixar que as demandas corram no Judiciário:
p1 = 30% de probabilidade de condenação = 0,3
R1 = Perda de R$ 10.000 vezes 50 demandas por mês =- R$ 500.000 por mês
VME = -500.000 x 0,3 = -150.000

Se optar por investir em melhoria do serviço:
p1 = 1 = certeza do investimento e do gasto
R1 = Gasto com a melhoria do call center é de R$ 300.000,00 = -300.000
VME = -300.000

Nesse caso, como -150.000 é maior que -300.000, é bem melhor, do ponto de vista da gestão econômica, optar por não investir na melhoria do serviço e, sim, deixar que as demandas judiciais se aglomerem e que ao usuário seja oferecido um serviço medíocre.

Só vale a pena, neste exemplo, investir na melhoria do serviço se o montante de indenização aumentar, ou se a probabilidade de condenação subir.

E é isto que ocorre na prática, friamente calculado pelas empresas Telecom.

Aos operadores do Direito, resta a lição:

Sabendo desse cálculo, o advogado ou consultor jurídico da empresa de telefonia pode provar (e não simplesmente "chutar", "achar" ou "opinar", como de praxe), se vale a pena melhorar o serviço de atendimento ao consumidor, ou se é melhor arcar com eventuais indenizações judiciais.

Ao Poder Público, por outro lado, cabe internalizar as externalidades. Como a externalidade é o lucro que a sociedade empresária aufere onerando o consumidor, cabe ao Judiciário coibir essa prática, como agente indutor de políticas públicas.

O Judiciário, vê-se atualmente, ignora este fenômeno jurídico econômico, e, com base apenas em teorias jurídicas, condena as Telecoms em ínfimos valores. Essa política pública, mais do que evitar, incentiva as empresas à prestação de serviços medíocres, ensejando ainda mais demandas, e assoberbando cada vez mais o próprio Judiciário.

Porém, como condenar as Telecoms, sem ensejar o enriquecimento ilícito da vítima?
Para internalizar a externalidade à Telecom, basta que se condene num valor tão alto quanto necessário para que o Valor Monetário Econômico da demanda judicial seja superior à melhoria dos serviços de atendimento.
Mas, se entender que o valor gerará um enriquecimento ilícito à vítima, destine o valor excedente à um Fundo de Recursos Públicos, como o Fundo Judiciário.

Dessa forma, há uma tripla solução: desencorajar a reiterada prestação de mau serviço ao consumidor e indenizar de forma justa, sem enriquecimento indevido à vítima, além de custear um fundo público de políticas públicas.

E, mais uma vez, resta demonstrada uma contribuição que a Economia empresta ao Direito.

_______________________________
1 - CAPLAN, Bryan. Library of Economics and Liberty. Disponível em < http://www.econlib.org/library/Enc/Externalities.html >.

O custo social da loteria judicial em caso de dano moral, e uma solução baseada na Jurimetria


Vê-se a tendência banalizadora do dano moral, um pedido, no contexto temporâneo, utilizado à exaustão em nossos Tribunais. Por se tratar de um pedido que afeta bens jurídicos imensuráveis ou de difícil quantificação, em toda demanda cível pede-se, cumulativamente, indenização por dano moral.

Dessa tendência, adveio o que se chama de loteria judicial, qual seja, o direito dos demandantes posto ao bel prazer da quantificação judicial.

Um mesmo juiz pode julgar que uma parte possui direito de indenização decorrente de dano moral no valor de R$ 1 milhão, enquanto colega de vara similar pode entender que se trata de dano de meros R$ 5 mil reais. É o direito do cidadão sendo sorteado aos dissabores e pluralidades culturais e motivacionais do Judiciário.

Dentre esses, citamos alguns casos:


Os pais de um menino morto por leões de circo montado no estacionamento do Shopping Guararapes, em Recife (PE), em 9 de abril de 2000, devem receber indenização no valor R$ 275 mil, por danos morais e materiais.

O STJ decidiu que tanto a empresa responsável pelo evento, Sissi Espetáculos (Circo Vostok), quanto as responsáveis pela locação do circo, a empresas OMNI e Conpar Empreendimentos e Participações Societárias - proprietárias do shopping - vão responder de forma solidária pelo dano.

Diante de um caso de dano moral decorrente da morte de uma criança por leões de circo montado no Shopping Guararapes em Recife (PE), em desfavor da empresa responsável pelo evento, Sissi Espetáculos (Circo Vostok), e das locadoras do circo, empresas OMNI e Conpar Empreendimentos e Participações Societárias, o TJ de Pernambuco houve por bem fixar como quantia indenizatória o valor de R$ 1 milhão ¹.

Porém, quando o caso foi apreciado em sede recursal pelo Superior Tribunal de Justiça, houve a redução do valor para R$ 275 mil, com base no "princípio da razoabilidade e nos parâmetros geralmente adotados".

Frise-se que a indenização anterior, fixada pelo juiz de primeiro grau, é de mais de 3 vezes o valor fixado pelo STJ.

Em outra oportunidade, onde se pode ver a loteria judicial em seu esplendor, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reduziu o valor da indenização a ser paga pela Indústria Campineira de Sabão e Glicerina Ltda. e outro à Oleol – Comércio de Óleos, Gorduras e Vasilhames Ltda. para R$ 50 mil².

O valor fixado anteriormente era o equivalente, no dias atuais, a mais de R$ 4 milhões.

O valor foi reduzido na ordem de 80 vezes.

Percebe-se, portanto, que não há um consenso entre os tribunais e juízes singulares a respeito da quantificação do dano moral, e isto, sem dúvidas, incorre em um custo social, por conceituação econômica.

Nesse contexto de insegurança jurídica e falta de parâmetros objetivos na fixação do dano moral, nenhuma das partes sai ganhando num processo (sequer a parte vencedora, pois em futuras demandas não poderá lograr igual êxito, e deverá, haja vista o grau de insegurança, embutir uma espécie de spread pelo risco de insucesso judicial em seus contratos futuros).

E, por via indireta, ainda gera o descrédito institucional do Poder Judiciário, ante a falta de coesão e entendimento entre seus próprios integrantes.

A loteria judicial é um claro exemplo de peso morto social (deadweight loss), considerado assim pela Análise Econômica do Direito por não ensejar benefícios a nenhuma das partes envolvidas no processo.

Uma das formas com que o Judiciário pode atuar para dar uma maior segurança jurídica é, portanto, unificar e estipular um tabelamento do quantum indenizatório.

É o que o Superior Tribunal de Justiça tem tentado realizar, em uma iniciativa louvável, ao fixar algumas margens de dano moral a assuntos específicos, tais como: morte dentro de escola (500 salários mínimos), paraplegia (600 salários mínimos), morte de filho no parto (250 salários mínimos), fofoca social (R$ 30 mil), protesto indevido (R$ 20 mil), alarme antifurto (R$ 7 mil), dentro outros³.

A Jurimetria, como instrumento de quantificação empírica dos efeitos jurídicos a partir de um banco de dados informatizado, poderá fornecer subsídios e modelos matemáticos para quantificar a indenização por dano moral em casos inéditos ou análogos.

Isto se dá, principalmente, por modelos comparativos. Um juiz singular, sabendo com fundamento no sistema Jurimétrico, que outro colega ou seu próprio Tribunal, apto a julgar recurso interposto em face de decisão sua, julgaram caso similar e fixaram determinados valores provavelmente, e dadas as circunstâncias do caso concreto, não discrepará muito das demais condenações.

É evidente, portanto, a necessidade de formulação de um banco de dados jurimétrico contendo os valores de condenação em caso de dano moral fixados pelos juízes singulares ou dos valores reformados pelo Tribunal.



Com base neste banco de dados, é possível que os julgadores, em segundo grau, ao apreciarem uma apelação com fundamento no dano moral, tomem como parâmetro o desvio-padrão (conceito de dispersão advindo da Estatística), além ou aquém do qual a sentença merece reforma, pois desvia de forma significativa da mediana normal de valor de condenação.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Onde o Direito encontra a Informática e a Estatística - Você sabe o que é a jurimetria?



Seria possível antever o comportamento de um tribunal com base em suas demandas passadas? A jurisprudência e as súmulas dos tribunais, via de regra, dizem que sim. Com base na common law, a jurisprudência pátria tem tomado um grau de importância tamanho que, por vezes, adquire força de lei.

Mas seria possível, com base nesses dados, e de forma eletrônica, determinar estatisticamente a
probabilidade de uma demanda ser julgada procedente ou improcedente? Seria possível, ainda, prever se uma lei seria socialmente aceita ou respeitada antes de entrar em vigor, por meio de fundamentos empíricos e estudos de campo?

Em 1949, Lee Loevinger¹ discorreu pela primeira vez sobre o tema, ao qual deu o nome de Jurimetria, o estudo estatístico das leis e de sua eficácia, a partir de um banco de dados informatizado. É, em verdade, o estudo empírico das leis, por meio de modelos matemáticos, que possam prever o comportamento humano derivado da lei, do ato jurídico.

Sua teoria, à época, não recebeu a aceitação acadêmica necessária para ser difundida nas universidades e em obras científicas, apenas encontrando uma aproximação com as áreas das ciências exatas e quantitativas nos séculos 1960 e 1970 ².

É um dos poucos campos do conhecimento onde se aplica, ao mesmo tempo, os conhecimentos jurídicos combinados com a Estatística e com a Informática.
Não à toa, no último dia 10 de junho de 2011 foi realizado em São Paulo o primeiro colóquio de jurimetria do país, reunindo profissinais do Direito, da Estatística, da Economia e das Ciências da Computação para discutir formas de aperfeiçoar e difundir a Jurimetria.
O primeiro objeto do estudo da Jurimetria seria o estudo da lei abstrata e suas consequências jurídicas ao comportamento humano, e sua respectiva eficácia e observância pela sociedade.
O segundo objeto seria a previsibilidade de um julgamento pelo Judiciário.
Podemos citar, portanto, alguns casos em que uma análise empírica do Direito, a partir de modelos estatísticos e matemáticos, alimentados por um banco de dados informatizado, poderá colher resultados positivos.


Caso Prático - Advocacia-Geral da União e o valor limite de R$ 10.000,00 para desistência de recurso judicial

A Advocacia-Geral da União (AGU), no dia 29/08/2011, fez publicar no Diário Oficial da União (DOU), a Portaria AGU nº 377, que autoriza advogados da União e procuradores federais a deixarem de propor ações e recursos, assim como desistir de processos e não inscrever alguns devedores na dívida ativa, que não ultrapassem o valor de R$ 10.000,00 .

Um claro exemplo da Jurimetria pode ser, portanto, de individualizar esse valor limite por assuntos, tendo em vista que um processo de Juizado Especial pode, via de regra, custar mais aos cofres públicos e à Advocacia da União do que um processo de execução dependente de perícia contábil.

Dessa forma, poder-se-ia estipular valores limites por assunto, tipo processual, rito adotado, valor da causa, ou outras informações estipuladas em um sistema informatizado, a partir de uma consulta de fatos jurídicos passados.

É louvável, portanto, a iniciativa do Superior Tribunal de Justiça, que estimou um custo ao erário público a partir do tipo processual.


A Coordenadoria de Auditoria da Secretaria de Controle Interno do STJ, analisando processos de 2010, apurou que os habeas-corpus permaneceram, em média, 159 dias no STJ ao custo de médio de R$ 871,95. Um recurso especial teve valor médio de R$ 798,00 com permanência de 160 dias. Os agravos de instrumento permaneceram, em média, 124 dias no STJ ao custo de R$ 651,05.

Concluiu-se, pela análise de 228.396 processos, que há 147 dias de tramitação em média, ao custo médio de R$ 762,72 cada um.

É de se destacar que a Coordenadoria de Auditoria da Secretaria de Controle Interno do STJ elaborou um sistema informatizado com clara índole jurimétrica, qual seja, o Sistema Prisma, construído com o auxílio de seu setor de Tecnologia de Informação³.

Dessa forma, demonstrou-se que uma limitação recursal e percentual deve seguir um limite que obedeça a uma taxonomia compatível, como tipo processual, período de tramitação, e, inclusive, pode estimar o tempo médio de tramitação em determinada Turma, Seção ou Órgão Especial.

Todos esses dados influem na apuração do custo público de um litígio judicial, e podem ser estimados pela Jurimetria.



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1 - L. Loevinger, ‘Jurimetrics, the next step forward’ (1949) Minn. Law Review
455.
2 - Richard De Mulder, Kees van Noortwijk
and Lia Combrink-Kuiters. 'Jurimetrics, please!' em <http://zaguan.unizar.es/record/.../ART--2010-013.pdf>
3 - Extraído de <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=86889>